
Segundo a Lei 8.213/1991, artigo 103, parágrafo único, “Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil”.
Até o advento da Lei 13.846/2019 (DOU: 18/06/2019), referido dispositivo podia ser congregado com o artigo 79 da mesma Lei, que dispunha que “Não se aplica o disposto no art. 103 desta Lei ao pensionista menor, incapaz ou ausente, na forma da lei”.
Ambos os artigos tratam de prescrição em matéria previdenciária, explicitando excepcionalidades em que o curso prescricional não terá início. Na Jurisprudência em Destaque de hoje, falaremos especificamente da prescrição de benefícios titularizados por menores.
A polêmica por trás da expressão utilizada pela Lei de Benefícios está em qualificar a menoridade, isto é, definir se o legislador quis aludir o menor de 16 anos (absolutamente incapaz) ou o menor de 18 anos (relativamente incapaz).
Na tentativa de solver esse questionamento, a Lei 8.213/1991 nos remete ao Código Civil de 2002, o qual, em seus artigos 3º e 4º divide os menores em dois grupos: os relativamente incapazes (menos de 18 anos) e os absolutamente incapazes (menos de 16 anos):
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
Porém, a literalidade dos artigos não é suficiente para solucionar a dúvida que foi suscitada, pois ambos continuam sendo, conforme jargão popular, “menores de idade”. Tal tarefa fica ainda mais difícil quando se considera o conteúdo do artigo 5º da Lei Civil, que prevê que “A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”, reforçando que a condição de menor perdura até o atingimento dos 18 anos de idade.
Com o intuito de encontrar uma solução para essa questão, muitos magistrados recorrem ao disposto no Código Civil, artigo 198, inciso I, que impede a fluência da prescrição contra os incapazes mencionados no artigo 3º, ou seja, os menores de 16 anos. Neste sentido é o entendimento da Turma Nacional de Uniformização:
PEDIDO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ART. 74, I, DA LEI 8.213/1991. RELATIVAMENTE INCAPAZ. ABSOLUTAMENTE INCAPAZ. MENOR. DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO - DIB. DATA DO ÓBITO. DER. DIVERGÊNCIA. AUSÊNCIA. INCIDENTE NÃO CONHECIDO. 1. A autora era menor de 16 anos na data do falecimento do instituidor da pensão. A turma recursal reconheceu o direito ao benefício, mas não desde a data do óbito, tendo em vista que a autora requereu a pensão depois de passado o prazo estabelecido no art. 74, I, da Lei 8.213/1991. 2. Em caso semelhante, a TNU fixou a interpretação de que, para os dependentes maiores de 16 anos, incide o prazo previsto no art. 74, I, da Lei 8.213/1991 ( PUIL 0062161-77.2016.4.03.6301, relator juiz federal Francisco Glauber Pessoa Alves, j. 16/12/2021). Conforme esse precedente, a tese firmada no julgamento do tema 81, da TNU, aplica-se apenas aos dependentes menores de 16 anos. (TNU - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma): 00005620620174036301, Relator: LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, Data de Julgamento: 10/02/2022, TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Data de Publicação: 11/02/2022) (grifamos)
Contudo, interpretando a expressão pensionista menor contida na Lei 8.213/1991, o Superior Tribunal de Justiça entendeu como sendo até os 18 anos de idade, conforme previsto no artigo 5º da Lei Civil. A título ilustrativo:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. PENSIONISTA MENOR. INÍCIO DO BENEFÍCIO.
A expressão 'pensionista menor', de que trata o art. 79 da Lei nº 8.213, de 1990, identifica uma situação que só desaparece aos dezoito anos de idade, nos termos do art. 5º do Código Civil.
Recurso especial provido para que o benefício seja pago a contar do óbito do instituidor.
(REsp n. 1.405.909/AL, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, julgado em 22/5/2014, DJe de 9/9/2014.) (grifamos)
Esse mesmo entendimento foi reafirmado pela Corte em 2023, ao julgar o AgInt no AgInt no Recurso Especial nº 2.019.045/PR, como observado pelo excerto do voto do Ministro Relator Gurgel de Faria transcrito a seguir:
Cumpre registrar que, ao contrário do entendimento firmado no acórdão recorrido, esta Corte possui a compreensão de que a pensão ao dependente menor será devida sem a distinção que o Código Civil faz quanto à extensão da incapacidade do pensionista (se absoluta ou relativa).
Nesse sentido, cito:
PREVIDÊNCIA SOCIAL. PENSIONISTA MENOR. INÍCIO DO BENEFÍCIO. A expressão 'pensionista menor', de que trata o art. 79 da Lei nº 8.213, de 1990, identifica uma situação que só desaparece aos dezoito anos de idade, nos termos do art. 5º do Código Civil. Recurso especial provido para que o benefício seja pago a contar do óbito do instituidor. (REsp 1.405.909/AL, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/05/2014, DJe 09/09/2014).
Esse entendimento também se reflete em decisões de outros tribunais, conforme ilustrado na seguinte ementa:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO INTERNO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. MENOR DE 18 ANOS. I - Consoante foi consignado na decisão agravada, o termo inicial do benefício deve ser fixado na data da prisão (12.04.2019) para o filho, menor de idade à época da prisão, eis que não corre prescrição contra absolutamente incapaz. II - Quanto à prescrição, o entendimento desta Turma é no sentido de que apenas começa a correr a partir dos 18 anos: III- Agravo ( CPC, art. 1.021) interposto pelo INSS improvido.
(TRF-3 - ApCiv: 5001137-77.2023.4.03.9999 MS, Relator: SERGIO DO NASCIMENTO, Data de Julgamento: 06/12/2023, 10ª Turma, Data de Publicação: Intimação via sistema DATA: 07/12/2023) (grifamos)
Referida linha de pensamento, ao que parece, é a que melhor atende o bem jurídico tutelado nas lides previdenciárias, qual seja, a proteção social dos indivíduos contra contingências, especialmente os indivíduos que se apresentam na relação jurídica previdenciária como mais vulneráveis. Assim, ao considerar como "menor" aquele que não atingiu os dezoito anos e não apenas os absolutamente incapazes (menores de 16 anos), o julgador está garantindo uma proteção social mais abrangente, evitando a subtração das prestações do benefício titularizado por alguém que ainda não possui a capacidade plena para os atos da vida civil.
Ademais, por se tratar de questão de interesse de adolescente, é essencial que se observe o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 3º, o qual deve ser conjugado com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 5º, segundo o qual “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Portanto, existem duas posições jurídicas distintas acerca da expressão "pensionista menor" na jurisprudência. De um lado, a literalidade do artigo 5º da Lei Civil, conjugado com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), artigo 3º e com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, artigo 5º, reforçam a condição de menoridade, para fins de prescrição e decadência, até os 18 anos. De outro lado, a interpretação pautada no artigo 198, inciso I, do Código Civil, indicando que a prescrição só não flui até os 16 anos de idade.
Não se pode ignorar, ainda, o movimento feito pelo Executivo/Legislativo por meio da Medida Provisória 871/2019, posteriormente transformada na Lei 13.846/2019, ao revogar expressamente o artigo 79 da Lei de Benefícios, responsável por pavimentar a posição defendida pelo Superior Tribunal de Justiça (backlash). Referida modificação legislativa trouxe um novo colorido à questão, podendo influenciar nos pronunciamentos judiciais envolvendo benefícios instituídos após a mudança legislativa. A título elucidativo:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REVISÃO DE RMI. OS PRAZOS DE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO PREVISTOS NO ART. 103 DA LEI 8.213/91 NÃO CORREM CONTRA MENOR (DE 18 ANOS), INCAPAZ OU AUSENTE ATÉ A EDIÇÃO DA MP 871/2019, CONVERTIDA NA LEI 13.846/2019, QUE REVOGOU O ART. 79 DA LEI 8.213/91. AUTOR COMPLETOU 18 ANOS EM 2011. PRAZO DECADENCIAL SOMENTE SE INICIOU NESTE MOMENTO. PRETENSÃO DE "APLICAÇÃO DO CORRETO ÍNDICE DE CORREÇÃO DA URV PREVISTO NO ARTIGO 22 DA LEI Nº 8.880/84". O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA JÁ FIRMOU JURISPRUDÊNCIA NO SENTIDO DE QUE NÃO HOUVE PERDA DO VALOR REAL DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS, EM DECORRÊNCIA DA CONVERSÃO DETERMINADA PELA MP 434/94, DEPOIS CONVERTIDA NA LEI 8.880/94. AFASTADA A DECADÊNCIA, MAS JULGADO IMPROCEDENTE O PEDIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
DECISAO: A 3ª Turma Recursal do Rio de Janeiro decidiu, por unanimidade, CONHECER E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO para afastar a decadência, mas julgar improcedente o pedido. Condeno a recorrente ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% do valor da causa, exigência suspensa, em razão do deferimento da gratuidade de justiça, na forma do art. 98, §3º, do CPC. Certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e remetam-se os autos ao Juizado de origem, nos termos do voto do(a) Relator(a).
(TRF2 , PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL, 5014206-73.2021.4.02.5118, Rel. ALEXANDRE DA SILVA ARRUDA , 4ª Vara Federal de Duque de Caxias , Rel. do Acordao - ALEXANDRE DA SILVA ARRUDA, julgado em 28/04/2022, DJe 29/04/2022 17:11:56) (grifamos)
No entanto, a modificação legislativa não afasta as diretrizes protetivas provenientes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tampouco a necessidade de observar os fins sociais da legislação previdenciária (proteção social), conforme advertido pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Em suma, a interpretação da expressão "pensionista menor" ainda apresenta divergências significativas na jurisprudência brasileira. Ademais, a mudança legislativa promovida pela Lei 13.846/2019, adicionou novas camadas ao debate, exigindo uma análise cuidadosa dos futuros desdobramentos jurídicos sobre o tema.
É preciso “aguardar as cenas dos próximos capítulos” para saber qual posicionamento jurídico prevalecerá.