
Imagine o seguinte problema: um segurado ingressa com uma demanda judicial visando a concessão de benefício e tem deferido, no âmbito administrativo, outro benefício previdenciário enquanto aguardava a resolução da ação. Na fase de cumprimento de sentença, o INSS realiza o encontro de contas e subtrai da base dos honorários de sucumbência os valores recebidos pelo segurado no âmbito administrativo.
Essa problemática já foi objeto de análise por parte do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo nº 1.050, ocasião em que se firmou a seguinte tese:
O eventual pagamento de benefício previdenciário na via administrativa, seja ele total ou parcial, após a citação válida, não tem o condão de alterar a base de cálculo para os honorários advocatícios fixados na ação de conhecimento, que será composta pela totalidade dos valores devidos.
Isso todos nós já sabemos. Mas o intuito da jurisprudência em destaque de hoje é ir um pouco além. O objetivo aqui é provocá-los a pensar sobre a amplitude da tese, a fim de saber se seus fundamentos determinantes podem ser aplicados em situações semelhantes.
A situação potencialmente similar é a seguinte: um segurado ingressa com uma ação judicial e, incidentalmente, obtém uma liminar determinando o pagamento provisório do benefício enquanto o processo tramita. Na fase de liquidação, o INSS promove a execução invertida subtraindo da base dos honorários sucumbenciais os valores pagos em atenção à decisão liminar.
No caso anterior, embora os valores tenham sido quitados no curso do processo judicial, a efetivação se deu no âmbito administrativo. Já na hipótese sob análise, os valores foram pagos em razão do processo judicial.
Evidentemente que as situações não são completamente idênticas. No entanto, o sistema de precedentes brasileiro também foi concebido para orientar soluções de situações semelhantes, tal como advertido na I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal, por meio do Enunciado nº 59:
Não é exigível identidade absoluta entre casos para a aplicação de um precedente, seja ele vinculante ou não, bastando que ambos possam compartilhar os mesmos fundamentos determinantes.
Como ilustrado no Enunciado, o essencial é que seja possível o compartilhamento dos mesmos fundamentos determinantes.
Analisando os fundamentos determinantes do Tema Repetitivo nº 1.050, percebe-se que referido precedente se calcou no Código de Processo Civil, artigo 85, § 2º, que prevê que “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (...)”.
Ao interpretar a expressão proveito econômico prevista no aludido dispositivo, a Corte aquilatou que “o proveito econômico ou valor da condenação não é sinônimo de valor executado a ser recebido em requisição de pagamento, mas sim equivale ao proveito jurídico, materializado no valor total do benefício que foi concedido ao segurado por força de decisão judicial, conseguido por meio da atividade laboral exercida pelo advogado”.
Com efeito, a condenação não se restringe ao pagamento do valor contestado ou pendente por requisição de pagamento. Ela inclui todo o montante auferido pelo segurado como resultado da ação judicial, proporcionado pelo serviço prestado pelo seu patrono.
Conquanto o Tema não tenha tratado especificamente sobre os valores percebidos a título de tutela provisória, como no caso proposto, o elemento normativo essencial utilizado pela Corte, no caso, o artigo 85 § 2º do Código de Processo Civil, pode ser compartilhado com a hipótese dos autos.
Isso porque os valores recebidos a título de tutela provisória fizeram parte do proveito econômico obtido pelo segurado em virtude da atuação de seu patrono. Até porque, não fosse a propositura da lide, decerto que o segurado não estaria percebendo o benefício liminarmente.
Ademais, não fosse o deferimento da liminar, tais valores conglobariam o montante em atraso, figurando, por conseguinte, na base de cálculo dos honorários de sucumbência.
O caso, portanto, demanda a aplicação da mesma ratio do STJ/Tema nº 1.050, na esteira do Enunciado nº 59 da I Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal. Inclusive, já é possível identificar na jurisprudência decisões aplicando os fundamentos determinantes do Tema em casos envolvendo pagamentos recebidos por força de liminar, como verificado pela ementa a seguir:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL.
VALORES PAGOS ADMINISTRATIVAMENTE. VOLUNTÁRIOS OU POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA. INTEGRAM CONDENAÇÃO PARA FINS DE CÁLCULO DE HONORÁRIOS. TEMA 1050 DO STJ. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CAUSALIDADE E DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. O Tema 1050 do STJ determina que as parcelas pagas a título de benefício previdenciário na via administrativa no curso da ação devem integrar a base de cálculo para fixação de honorários advocatícios. Naturalmente, tal entendimento compreende tanto os valores pagos voluntariamente após o início da ação, quanto aqueles pagos à título de tutela antecipada.
2. Como regra, o vencido deverá pagar verbas advocatícias ao vencedor. Trata se da aplicação do princípio da sucumbência, consagrado no caput do art. 85 do NCPC. Não obstante a aplicação da sucumbência, deve-se atentar, ainda, para outro princípio, o da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo, fase ou incidente processual, deve arcar com os encargos daí decorrentes. São esses dois princípios, o da sucumbência e o da causalidade, que dão fundamento ao Tema 1050.
3. Todos os valores que foram pagos após a citação - ainda que tenham sido saldados por força de tutela antecipada - até a data da publicação da sentença condenatória devem integrar a base de cálculos para a fixação de honorários, porquanto se trata de montante auferido pela parte tão somente em decorrência da existência da ação judicial, integrando a condenação, ainda que não explicitados no título judicial.
4. Agravo de instrumento provido. DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, DAR PROVIMENTO ao agravo de instrumento, nos termos da fundamentação supra, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. (TRF2 , Agravo de Instrumento, 5008265-39.2022.4.02.0000, Rel. ROGÉRIO TOBIAS DE CARVALHO , 1a. TURMA ESPECIALIZADA , Rel. do Acordao - ROGÉRIO TOBIAS DE CARVALHO, julgado em 09/09/2022, DJe 21/09/2022 16:33:23) (grifamos)
Portanto, não é irrazoável cogitar a aplicação dos fundamentos determinantes do Tema em casos que envolvam benefícios recebidos durante o curso da ação por meio de decisão liminar, sendo adequado que a base de cálculo dos honorários observe o proveito econômico obtido com a ação, sem descontar as prestações recebidas de forma precária.