
Para inaugurarmos o ano de 2025, começaremos nossas provocações com um tema de extrema relevância no Direito Previdenciário que, por vezes, é o principal fator para o não reconhecimento da prestação previdenciária.
Na Jurisprudência em Destaque de hoje, falaremos sobre a carência!
Como a proposta desta coluna é tecer comentários e provocações sobre pronunciamentos judiciais, abordaremos o tema a partir de uma situação concreta apreciada pelo Poder Judiciário.
O caso é o seguinte: um segurado que, após a perda dessa qualidade, reingressa ao sistema mediante o recolhimento das contribuições previdenciárias referentes às competências de 11/2020, 12/2020, 11/2021, 12/2021, 01/2022 e 02/2022, esta última recolhida no dia 16/02/2022, na qualidade de segurado facultativo. Submetido ao exame pericial, o perito federal fixa a DII no dia 17/02/2022, mas o benefício é denegado por irregularidades nos recolhimentos que antecederam a incapacidade para o trabalho. No processo judicial, a discussão central enfrentada pelo Judiciário pautou-se na possibilidade, ou não, do cômputo da competência de 02/2022 para fins de carência. A principal objeção consistiu no fato do recolhimento ter sido realizado no mesmo mês em que o perito fixou a DII, muito embora o pagamento da contribuição tenha sido efetivado antes do fato gerador.
Para solucionar a questão, é primordial analisarmos o arcabouço legal e infra legal atrelado ao fenômeno jurídico da carência, como foi feito pelo órgão jurisdicional que apreciou a demanda.
Ao balizar a expressão “período de carência”, a Lei 8.213/1991, artigo 24, esclarece como sendo “o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências”.
Referido dispositivo traz consigo uma importante informação para a resolução do caso, destacando que a contagem da carência inicia a partir do primeiro dia do mês/competência. A partir do caput do artigo já se mostra possível concluir – e quanto a isso não há novidade alguma – que o cálculo da carência se pauta em competências (ou meses) de modo que um único dia trabalhado equivale como um mês de carência. Também é possível assentir que o início da carência coincide com o primeiro dia do respectivo mês.
Se um único dia de trabalho proporciona o aproveitamento do mês inteiro para efeito de carência, não há porque desconsiderar a competência em que fixada a DII para a apuração dos meses de carência, já que a prestação de serviço ao longo de todo o mês não é condição necessária para tanto.
Além disso, como foi citado na decisão, a própria Instrução Normativa nº 128/2022, artigo 189, § 5º, reforça a necessidade do aproveitamento da competência do fato gerador para fins de carência. Vejamos:
Art. 189. Período de carência é o tempo correspondente ao número mínimo de contribuições indispensáveis para que o requerente faça jus ao benefício, consideradas as competências cuja contribuição seja igual ou superior à contribuição mínima mensal, observado o § 7º.
§ 5º Deve ser considerado para o cômputo da carência o recolhimento referente à competência do fato gerador, desde que efetuado dentro do seu vencimento.
E nem poderia ser diferente, visto que a Lei de Benefícios, em seu artigo 27, inciso II, demarca o termo inicial da carência, para o segurado facultativo, como sendo a partir do primeiro recolhimento sem atraso. Confira-se:
Art. 27. Para cômputo do período de carência, serão consideradas as contribuições:
II - realizadas a contar da data de efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso, não sendo consideradas para este fim as contribuições recolhidas com atraso referentes a competências anteriores, no caso dos segurados contribuinte individual, especial e facultativo, referidos, respectivamente, nos incisos V e VII do art. 11 e no art. 13.
E, no caso sob análise, o recolhimento foi efetivado pelo segurado em 16/02/2022, antes, portanto, da DII fixada pelo perito (17/02/2022) e, frise-se, dentro do prazo legal para o pagamento tempestivo da contribuição, conforme Lei 8.212/1991, artigo 30, inciso II.
Com base nessas premissas, a Turma Regional de Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª região (Autos nº 5002206-64.2022.4.04.7118) concluiu que “é possível o cômputo, para fins de carência, de contribuição vertida no mesmo mês ao que se refere, desde que paga até o dia imediatamente anterior à data de início da incapacidade vinculada ao benefício por incapacidade em análise”, de modo a amparar a pretensão do segurado, outorgando-lhe o benefício por incapacidade.
É bem verdade que a decisão protegeu o segurado em situação de risco social, mas não podemos deixar de notar que a tese impõe como restrição que o recolhimento ocorra antes da concretização do fato gerador do benefício (incapacidade para o trabalho).
Especificamente no tocante ao segurado facultativo, como no caso sub judice, essa imposição faz total sentido, eis que sua filiação ocorre a partir do recolhimento da primeira contribuição sem atraso, ou seja, o seu ingresso no sistema pressupõe o pagamento da contribuição previdenciária.
Mas, se mudarmos um pouco o caso, alterando a forma de filiação, de segurado facultativo, para contribuinte individual, a condição imposta no julgado pode desencadear uma situação de desproteção previdenciária.
Isso porque diferentemente do que ocorre com o segurado facultativo, o contribuinte individual se filia ao RGPS a partir do efetivo exercício de atividade remunerada, sendo o recolhimento da contribuição previdenciária mera perfectibilização de uma situação preexistente. Isto é, o recolhimento da contribuição previdenciária até o 15º dia do mês subsequente à prestação do serviço é condição suspensiva para a perfectibilização do direito ao cômputo da competência para fins de carência, direito esse que exsurge, sob condição suspensiva, no primeiro dia do mês do exercício da atividade remunerada.
Assim, a partir da conclusão firmada na decisão, um contribuinte individual que tenha iniciado sua atividade remunerada no primeiro dia do mês de março, planejando recolher a respectiva contribuição no prazo legal (até 15 de abril), mas que seja acometido por doença incapacitante antes do pagamento no prazo legal, restaria alijado de seu benefício por falta de carência. Já tendo a TNU se manifestado sobre isso no Tema 192.
Em síntese, não se pode ignorar os reflexos positivos da decisão da TRU/TRF 4ª, a qual, atentando-se às peculiaridades do segurado facultativo, conferiu interpretação consonante com os fins sociais da legislação previdenciária. Porém, aqui fica uma provocação se não seria o caso de, a partir dos conceitos de filiação e de carência, caminhar um pouco mais quando o assunto envolve segurados obrigatórios, especialmente os contribuintes individuais responsáveis pelo recolhimento da própria contribuição. Será que nesses casos não seria prudente buscar um entendimento que contemple a fluência da carência a partir do efetivo exercício da atividade remunerada, compreendendo o ato de recolhimento da contribuição como uma formalidade que concretiza um direito concebido antes do pagamento do tributo, e não como um requisito absoluto que possa inviabilizar a concessão de benefícios?