
Não é nenhuma novidade que o Superior Tribunal de Justiça entende que “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença”. Trata-se de entendimento consolidado por meio da Súmula 111.
Por que essa limitação existe no âmbito previdenciário? Quem não conhece a origem da Súmula pode pensar que há um dispositivo específico na legislação previdenciária tratando dessa restrição. No entanto, o verbete se baseia em razões alheias ao ordenamento jurídico pátrio.
O argumento principal para a consolidação da Súmula consiste no suposto conflito de interesses entre o segurado e o advogado. Para o Superior Tribunal de Justiça, a ausência de delimitação de um termo final para a base de cálculo dos honorários de sucumbência possibilitaria que o advogado protelasse a finalização do processo, de modo a aumentar a base de cálculo da verba sucumbencial. Por palavras mais simples, presumiu-se que os advogados tentariam postergar o encerramento do processo para “engordar” os honorários sucumbenciais.
Ao assim dizer, o Superior Tribunal de Justiça, ainda que de forma implícita, presumiu que os advogados agiriam de má-fé, muito embora o próprio STJ entenda que a má-fé não se presume, devendo ser provada (STJ/Tema 243, p. ex.).
Com a mudança do paradigma processual (CPC/15), acreditava-se que referido posicionamento não prevaleceria, já que nem mesmo o Legislador entendeu por bem introduzir uma disposição processual prevendo a aludida restrição.
Infelizmente, isso não ocorreu, pois o entendimento foi reafirmado no Tema Repetitivo 1.105. Eis a tese firmada:
No novo julgamento, a Corte reafirmou o entendimento da Súmula, citando, inclusive, julgados em que se enfatizou o pretenso conflito de interesse entre o advogado e a parte processual. Vejamos:
Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios.

Ou seja, prevaleceu o entendimento do suposto conflito de interesse, ao arrepio da Lei Processual e da presunção de boa-fé reconhecida pela própria Corte Cidadã.
Mas o intuito desse texto não é “chorar pelo leite derramado” e sim provocá-los a refletir sobre a jurisprudência em destaque.
Bom, como todo precedente, o Tema 1.105 confere uma orientação geral para o futuro, indicando a estrada a ser trilhada quando nos deparamos com um caso idêntico ou semelhante. Caso, porém, se identifique a falta de congruência normativa ou, ainda, a existência de um fato não considerado anteriormente, abre-se margem para o distinguishing.
Para saber se um caso é idêntico, semelhante ou distinto, é extremamente importante delimitar os fundamentos determinantes do precedente, ou seja, os elementos indispensáveis que alicerçaram a resolução da questão analisada.
No caso, o elemento principal para a edição da Súmula foi o suposto conflito de interesse entre o advogado e a parte. Neste sentido foi o voto-vista do Ministro Sérgio Kukina:
A razão motivadora da elaboração de tal súmula, como se observa nos precedentes que a aplicam, é o argumento de que se cria um conflito de interesses inevitável, tão somente em causas previdenciárias, entre o advogado, para quem, em tese, a protelação do fim da causa torna-se vantajosa, e a parte privada, cujo interesse é pela mais rápida solução do litígio.
Mas, e nos casos em que a interposição de recurso visa majorar o valor do benefício reconhecido pela sentença? Ou, ainda, quando o recurso é interposto exclusivamente pelo INSS com o objetivo de impugnar a sentença de procedência?
Veja-se que, no primeiro caso, o segurado é o principal interessado na interposição do recurso contra a sentença. Já na segunda hipótese, nem sequer houve recurso por parte do advogado. E em ambos os casos o desfecho do feito será protelado até o julgamento do recurso.
Nos dois casos, não há possibilidade de considerar o alegado conflito de interesse, sendo a demora na resolução da disputa causada por circunstâncias fora do controle do advogado. Não se trata, portanto, da lenda em que o advogado protela o encerramento do processo visando inflar seus honorários.
Não se vislumbrando a identidade de proposições fático-jurídicas entre o precedente e as hipóteses trazidas, é lícito intuir pela aplicação da técnica do distinguishing, afastando-se a incidência do precedente nas situações mencionadas.
É sempre importante destacar que a conclusão pela distinção não objetiva enfraquecer o precedente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, mas afirmar sua autoridade, que deve ser aplicada sempre que vislumbrada situação idêntica ou semelhante.
A reflexão crítica e a análise contextualizada dos precedentes são elementos primordiais para o fortalecimento do sistema jurídico brasileiro e visa atender os deveres de integridade e coerência atribuídos ao Judiciário. A utilização da técnica do distinguishing não só preserva a integridade dos precedentes, como também assegura que a justiça seja feita de forma precisa e adaptada às peculiaridades de cada situação.