#39 – Pensão por morte. Dependentes de Classes Distintas. Hierarquização

Em uma demanda que tramitou no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (0000918-44.2014.4.02.5101), discutia-se o direito de uma companheira obter, de forma exclusiva, o benefício de pensão por morte deixado por um instituidor em detrimento de sua genitora, a qual recebia o benefício desde o seu falecimento. 


Como solução, entendeu o julgador que, uma vez demonstrada a união estável, não caberia o rateio da pensão entre a companheira e a genitora, por se tratar de dependentes de classes distintas, o que atrairia a regra prevista na Lei 8.213/1991, artigo 16, § 1º. 


De fato, o aludido dispositivo prevê que “A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes”. Mas, na condição de estudiosos do Direito, não nos é vedado questionar a juridicidade da referida disposição legal.


E o questionamento é pertinente, pois, a depender do caso, a hierarquização do rol de dependentes pode propiciar situações que não atendem ao sentido de proteção da norma. No caso citado, por exemplo, a genitora dependia do filho, mas, por conta da regra estatuída pela Lei 8.213/1991, artigo 16, § 1º, teve sua fonte de subsistência cessada. 


Podemos expandir para outros casos, como, por exemplo, uma situação hipotética em que o instituidor residia com seus pais, custeando todas as suas despesas, como também pagava à ex-esposa uma pensão alimentícia em decorrência do divórcio. 


Veja-se que, nesse caso, os pais seriam preteridos pela ex-esposa, por força do disposto na Lei 8.213/1991, artigo 76, § 2º. Não se pretende recriminar o direito da ex-esposa, mas apenas enfatizar que o elemento essencial para a configuração do direito à pensão – dependência econômica – também é deduzido do contexto ocupado pelos pais do instituidor. 


Diante dessa problemática, questiona-se: a hierarquização proposta pela da Lei 8.213/1991, art. 16, § 1º ainda faz sentido no contexto social atual?


Inicialmente, é relevante analisar a origem dessa restrição, a qual antecede a promulgação da Lei de Benefícios. Coube à Lei Orgânica da Previdência Social (Lei 3.807/60, art. 12), disciplinar a matéria, prevendo que “A existência de dependentes de quaisquer das classes enumeradas nos itens do art. 11 exclui do direito à prestação todos os outros das classes subsequentes e o da pessoa designada exclui os indicados nos itens II e III do mesmo artigo”, semelhantemente à Lei 8.213/1991. Perceba que a hierarquização possui raízes numa legislação da década de sessenta, tendo sido apenas repetida pela Lei de Benefícios.


Não são necessárias maiores digressões para concluir que o contexto familiar dos anos sessenta era substancialmente diverso do contexto atual. Hoje, são muito mais comum arranjos familiares em que os pais integram o núcleo familiar, muitas vezes residindo com seus filhos ou dependendo financeiramente destes. 


A expectativa de vida da população brasileira também se alterou significativamente desde o advento da LOPS. O quadro abaixo, obtido no site da Agência de Notícias do IBGE (https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/), ilustra muito bem esse panorama no Brasil:



De 1960 até 2022, a expectativa de vida por ocasião do nascimento aumentou cerca de vinte e três anos. Com base nessas informações, não é desmedido concluir que a possibilidade dos genitores se habilitarem como dependentes de seus filhos, hoje, é bem maior do que na década de sessenta. 


De lá pra cá, também passamos por uma nova Constituição, a qual trouxe consigo inúmeros preceitos relacionados à proteção da família e ao Direito Previdenciário, alçando-o, inclusive, como direito fundamental. 


É interessante sublinhar que a Constituição Federal de 1988 – promulgada posteriormente à LOPS – quando trata do benefício de pensão por morte não faz menção a qualquer hierarquização, mas apenas que o Estado deve garantir a “pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes”. 


A Convenção nº 102 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), integrada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 269/2008, também não retrata a aludida hierarquização adscrita pelo Legislador infraconstitucional.


Não se pode esquecer, também, do dever de proteção à família e da obrigação de assistência dos filhos para com seus pais, deduzidos da Constituição Federal, artigos 226 e 229, elementos que reforçam a necessidade de amparo dos familiares do instituidor, os quais não se restringem à (ex)esposa e filhos, podendo alcançar, ainda, os pais e os irmãos que estejam sob sua proteção.


Todas essas mudanças, seja no campo normativo, seja no cenário social, colocam em xeque a hierarquização do rol de dependentes prescrita pela LOPS e, posteriormente, pela Lei 8.213/1991, artigo 16, caput, e § 1º, sugerindo que referida disposição não se compatibiliza com o panorama social hodierno.


É dizer, com outras palavras, que a mudança do paradigma familiar que motivou a hierarquização pensada pelo legislador infraconstitucional, precisa ser atualizado aos conceitos familiares e preceitos normativos atuais, passando a exigir a prova da dependência econômica independentemente da classe. Pois só assim a efetiva proteção objetivada pela norma será concretizada, enquanto isso não acontecer pais dependentes de seus filhos, continuarão a não serem dependentes previdenciários quando comparados com ex-esposas amparada na Lei 8.213/91, art. 76, §3 ou STJ/Súmula 336.