Jurisprudência em Destaque #50 - Exposição a Agentes Nocivos. Intermitência

Quem nunca se deparou com um PPP ou outro formulário informando que o segurado estava exposto a determinado agente nocivo de forma intermitente?!


O(A) advogado(a) que se depara com essa informação no formulário geralmente recebe do INSS a seguinte resposta: “o período não foi reconhecido como especial porque a exposição não ocorria de forma permanente”.


Dessa problemática, surge a seguinte indagação: o simples fato de a exposição ocorrer de forma intermitente poderia impedir o enquadramento da atividade como especial?


Para responder a esse questionamento, é essencial delimitar o alcance conceitual da expressão intermitente dentro do universo da aposentadoria especial. Sobre a terminologia, Adriane Bramante de Castro Ladenthin e Antônio Carlos Vendrame (2023, p. 53) distinguem a exposição eventual da exposição intermitente da seguinte maneira:

Com relação à periodicidade, a exposição pode ser (i) eventual, que é aquela que ocorre por tempo reduzido ou caso fortuito, e independentemente da vontade humana; (ii) intermitente, que é aquela que ocorre durante grande parte da jornada de trabalho; [...] 

Intermitente é, pois, a exposição que, embora não ocorra durante toda a jornada de trabalho, está presente em boa parte dela. Dito de outro modo, a exposição intermitente se refere àquela que ocorre em intervalos regulares ou irregulares, mas reiterado, durante a jornada de trabalho, sem que haja uma contínua exposição ao agente nocivo durante todo o período de trabalho. É uma exposição que, embora não seja linear, é significativa o suficiente para potencialmente impactar a saúde do trabalhador.


Para exemplificar, basta idealizar um trabalhador que manuseia um produto químico específico várias vezes ao dia, durante períodos específicos de sua jornada. Essa exposição, frise-se, é distinta da eventual, que é esporádica e imprevisível, ou seja, sem frequência definida.


Estabelecida essa premissa, urge averiguar se exposição intermitente constitui fator apto a descaracterizar a especialidade da atividade. Para tanto, é necessário verificar o que a legislação previdenciária exige para o reconhecimento da especialidade.


Nos termos da Lei 8.213/1991, artigo 57, § 3º, “A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social–INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado”.


A leitura desatenta da expressão nem intermitente, em tese, poderia levar o intérprete a responder a pergunta inicial afirmativamente. Porém, está não é a norma inferida do dispositivo legal em comento.


O que a legislação previdenciária passou a exigir como condição de possibilidade para o reconhecimento da especialidade é que a exposição ocorra de forma permanente.


Para o INSS, exposição permanente é aquela que ocorre durante toda a jornada de trabalho. Exatamente por isso que a exposição intermitente não permitiria, sob essa ótica restritiva, o reconhecimento da atividade especial, pois, como visto, a exposição intermitente se refere àquela que ocorre em intervalos regulares ou irregulares, mas repetitivos, sem que haja uma contínua exposição ao agente nocivo durante todo o período de trabalho.


Entretanto, a jurisprudência e a doutrina têm debatido sobre os efeitos nocivos da exposição intermitente para a saúde do trabalhador. Isso porque, dependendo da natureza do agente nocivo e das condições de trabalho, a exposição intermitente pode ter impacto similar ou até mais gravoso do que a exposição prolongada, devido a fatores como o elevado grau de nocividade/prejudicialidade ou, ainda, a ausência de critérios quantitativos seguros sobre os efeitos prejudiciais da exposição.


Imagine-se, por exemplo, um trabalhador que durante dois ou três momentos distintos de sua jornada de trabalho diária é obrigado a manusear equipamento elétrico com tensão superior 250 volts. Evidentemente que este trabalhador não permaneceu exposto ao risco elétrico durante toda a sua jornada de trabalho. Mas isto, contudo, não minimiza o risco de acidente vivenciado diariamente, ainda que por algumas frações de tempo da rotina de trabalho.


É exatamente por isso que a exposição permanente não pode ser alçada como aquela que ocorre durante toda a jornada de trabalho. De fato, esse entendimento tem sido consistentemente rejeitado por nossos tribunais. Veja-se:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. INSS. APO- SENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO ESPECIAL. RUÍ- DO. PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. AFASTADA. MEDI- ÇÃO EM NEN. NÃO OBRIGATORIEDADE. METODOLOGIA. HABITUALIDA-


DE E PERMANÊNCIA. HISTOGRAMA. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS RECURSAIS FIXADOS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. [...]

As medições não precisam ser feitas durante toda a jornada de trabalho, pois o requisito habitualidade e permanência, para fins de reconhecimento de atividade especial, não pressupõe a exposição contínua e ininterrupta ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho.

  • Desnecessário histograma ou memória de cálculo das medições para fins de aferição da habitualidade e permanência, visto que inexiste previsão legal nesse sentido, e é suficiente a indicação do fator de risco em nível acima do tolerável apto a caracterizar a especialidade durante o respectivo período (TRF2, 2ª Turma Especializada, APELREEX 5006463-77.2018.4.02.5001, Rel. Des. Fed. FLAVIO OLIVEIRA LUCAS, julgado em 08/11/2021).
  • Honorários advocatícios devidos pelo réu majorados em 1%.
  • Apelação do INSS não provida.

DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica- das, a Egrégia 1a. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO DO INSS. Majoro os honorários advocatícios devidos pelo réu em 1% (um por cento), a título de honorários recursais, nos termos do §11, do ar- tigo 85, do CPC, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que fi-cam fazendo parte integrante do presente julgado.

(TRF2 , Apelação Cível, 5009876-49.2019.4.02.5103, Rel. LUIZ NORTON BAPTISTA DE MATTOS , 1a. TURMA ESPECIALIZADA , Rel. do Acordao - LU- IZ NORTON BAPTISTA DE MATTOS, julgado em 10/07/2023, DJe 21/07/2023

07:23:42)

A permanência aludida na Lei nº 8.213/91, art. 57, §3º, não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, mas, na verdade, que a exposição seja indissociável das atividades do trabalhador, e não de caráter eventual. Sobre o conceito de exposição indissociável, dispõe o Manual Técnico de Aposentadoria Especial do INSS (2018, p. 144):

Deve-se aplicar o conceito de indissociabilidade às situações nas quais o trabalhador para produzir o bem ou prestar o serviço, necessariamente tem que se expor ao agente nocivo. A atividade onde ocorre a exposição é essencial à produção do bem ou prestação do serviço, mesmo que existam atividades outras, acessórias, onde ocorram interrupções momentâneas da exposição.

Embora não seja esse o entendimento aplicado nos milhares de casos submetidos ao crivo do INSS, infere-se que a própria autarquia reconhece que eventuais interrupções na exposição não é suficiente para afastar o tempo qualificado. Compreensão diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, eis que é quase impossível que um trabalhador se submeta ao agente nocivo durante toda a sua jornada de trabalho.


A partir desses elementos, é viável concluir que, mesmo nos casos em que a exposição ocorre de forma intermitente, é plenamente possível o enquadramento como tempo especial, desde que vislumbrada a relação jurídica de subordinação entre o agente e a prestação do serviço. Ora, se a exposição permanente não pressupõe a submissão ao risco durante toda a jornada de trabalho, quer dizer que ela admite que a sujeição ocorra em intervalos regulares ou irregulares


durante a jornada diária, sem que haja uma contínua exposição ao agente nocivo durante todo o período de trabalho.


Assim, o fato de a exposição ocorrer de forma intermitente ao longo da jornada de trabalho não é suficiente para impedir a qualificação do trabalho como atividade especial. O fator essencial para caracterização, como visto, é que a exposição ocorra de forma permanente, isto é, de maneira indissociável da prestação do serviço.


Com efeito, a jurisprudência ainda apresenta certa hesitação em relação ao tema. No entanto, é possível identificar alguns casos em que o Judiciário reconheceu a especialidade, mesmo quando a exposição ocorreu de forma intermitente. Observe-se:


PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. ENFERMEIRA. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA DA EXPOSIÇÃO. USO DE EPI. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. REQUISITOS PREENCHIDOS. EFEITOS FINANCEIROS. DER ORIGINAL. 1.

Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social. 2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído, que deve ser comprovado por meio de prova pericial); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 3. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial, com base no código 1.3.2 do Decreto nº 53.831/64, no item 3.0.1 do anexo IV dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99 e no anexo 14 da NR-15, do MTE. 4. A exposição a agentes biológicos não se verifica apenas nos casos de exposição a agentes de alta transmissibilidade, em que o trabalho ocorre exclusivamente em unidades hospitalares de isolamento. 5. O trabalho permanente, não ocasional nem intermitente em condições especiais não pressupõe a exposição contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho, mas sim que tal exposição deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades do trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho, e não de caráter eventual. 6. A exposição intermitente a agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, de forma que é possível o reconhecimento da especialidade. Precedentes. 7. Em se tratando de agentes biológicos, a utilização e a eficácia do EPI não afastam a especialidade do labor. 8. Caso em que o direito à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição foi reconhecido através de documentos apresentados desde o requerimento administrativo de concessão do benefício, de modo que os efeitos financeiros decorrentes da revisão são fixados desde a DER original, observada a prescrição quinquenal. (TRF4, AC 5013127-06.2022.4.04.7208, 9ª Turma , Relatora para Acórdão LUÍSA HICKEL GAMBA , julgado em 04/04/2025)

Portanto, não se deve desconsiderar períodos especiais apenas porque a documentação técnica indica que a exposição era intermitente. É essencial examinar o contexto em que ocorreu a exposição ao agente nocivo, levando em conta principalmente se a exposição é inerente ao desempenho das atividades do trabalhador, apesar das eventuais interrupções na sujeição ao risco.