O que é duplo grau de jurisdição obrigatório? Quais os seus efeitos nas decisões proferidas contra a fazenda pública? Quais são suas exceções? As sentenças ilíquidas proferidas contra o INSS submetem-se ao regime da remessa necessária?

A coluna desta semana visa responder os questionamentos acima ventilados
Uma das prerrogativas que a fazenda pública possuí em juízo é o instituto da remessa necessária, antigo reexame necessário, que determina a revisão ampla do processo pelo tribunal, nos casos de decisão proferida contra a fazenda pública (CPC/2015, art. 496, I) ou decisão que julgue procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal (CPC/2015, art. 496,II).
A Remessa Necessária é benefício processual conferido à fazenda pública que decorre da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio do direito administrativo, pois em ambos os casos previstos no CPC, art. 496 haverá afetação de verbas públicas. O duplo grau de jurisdição obrigatório é relativizado pelo CPC/2015, art. 496, §§3º e 4º.
Agora, em relação ao parágrafo 3º, a sentença que decidir contra a fazenda pública ou julgar procedentes os embargos à execução fiscal produzirão seus efeitos, independentemente de confirmação pelo tribunal, caso o quantum econômico do processo seja LÍQUIDO e CERTO e esteja limitado à 1000 salários mínimos para a União e suas autarquias e fundações públicas.
– Há outros limites quantitativos expressos no CPC/2015, art. 496, §3º, II E III que dizem respeito aos Estados e Municípios.
Como já explicitado, a remessa necessária é regra, sendo exceção a sua desnecessidade, sendo desnecessária nos casos de decisão certa e líquida contra a fazenda dentro dos limites quantitativos elencados no CPC/2015, art. 496, §3°, I, II e III.
Feita a brevíssima abordagem sobre o instituto da remessa necessária e sua relativização relacionada ao quantum econômico pleiteado no processo, o julgado em comento desta semana versa sobre a relativização da remessa necessária nos casos de sentença ilíquida proferida contra o INSS.
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar REsp 1.735.097/RS, entendeu, na linha do que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região assentara já há tempos, pela dispensabilidade do duplo grau de jurisdição obrigatório nos casos de sentença ilíquida proferida contra o INSS, em razão de inexistir razoável possibilidade de a condenação proferida contra a autarquia previdenciária, observado o prazo prescricional quinquenal, ultrapassar o limite estabelecido pelo CPC/2015 art. 496, §3º I.
Portanto, ainda que a condenação seja ilíquida, por uma interpretação teleológica do dispositivo processual, bem como para garantir maior celeridade ao processo, as sentenças proferidas contra o INSS poderão produzir efeitos imediatamente.
Salienta-se que o entendimento manifestado no REsp 1.735.097/RS não pacificou a discussão sobre a dispensabilidade da remessa necessária.
Seguem trechos da ementa:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA ILÍQUIDA. CPC/2015. NOVOS PARÂMETROS. CONDENAÇÃO OU PROVEITO ECONÔMICO INFERIOR A MIL SALÁRIOS MÍNIMOS. REMESSA NECESSÁRIA. DISPENSA.
3. A controvérsia cinge-se ao cabimento da remessa necessária nas sentenças ilíquidas proferidas em desfavor da Autarquia Previdenciária após a entrada em vigor do Código de Processo Civil/2015.
4. A orientação da Súmula 490 do STJ não se aplica às sentenças ilíquidas nos feitos de natureza previdenciária a partir dos novos parâmetros definidos no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015, que dispensa do duplo grau obrigatório as sentenças contra a União e suas autarquias cujo valor da condenação ou do proveito econômico seja inferior a mil salários mínimos.
(..)
7. Não obstante a aparente iliquidez das condenações em causas de natureza previdenciária, a sentença que defere benefício previdenciário é espécie absolutamente mensurável, visto que pode ser aferível por simples cálculos aritméticos, os quais são expressamente previstos na lei de regência, e são realizados pelo próprio INSS.
8. Na vigência do Código Processual anterior, a possibilidade de as causas de natureza previdenciária ultrapassarem o teto de sessenta salários mínimos era bem mais factível, considerado o valor da condenação atualizado monetariamente.
9. Após o Código de Processo Civil/2015, ainda que o benefício previdenciário seja concedido com base no teto máximo, observada a prescrição quinquenal, com os acréscimos de juros, correção monetária e demais despesas de sucumbência, não se vislumbra, em regra, como uma condenação na esfera previdenciária venha a alcançar os mil salários mínimos, cifra que no ano de 2016, época da propositura da presente ação, superava R$ 880.000,00 (oitocentos e oitenta mil reais).
10. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1.735.097/RS, Primeira Turma, rel.: Min. Gurgel de Faria, julgado em 08/10/2019 e publicado em 11/10/2019)